PRIMEIRO A SENTENÇA, DEPOIS O JULGAMENTO

A solução tecnológica eleitoral para centro de escrutínio e a versão definitiva do ficheiro informático dos cidadãos maiores, para as eleições angolanas de Agosto próximo, vão ser alvo de “auditoria externa independente”, anunciou hoje o presidente da sucursal do MPLA para as questões eleitorais (CNE).

Segundo o presidente da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), Manuel Pereira da Silva “Manico”, neste momento o órgão encontra-se já em velocidade cruzeiro no processo preparatório para as eleições gerais da segunda quinzena de Agosto, sendo público (e notório) que a oposição política duvida da credibilidade e transparência do processo.

“Destacar aqui o início da aquisição da logística eleitoral e a produção do material eleitoral devendo o mesmo começar a chegar já nos próximos dias ao país”, afirmou na cerimónia de inauguração da sede do órgão eleitoral, em Luanda.

Entre as acções em curso, sublinhou também a aquisição da solução tecnológica eleitoral ao centro de escrutínio, “a qual será objecto de auditoria externa independente por um ente escolhido no âmbito de um concurso público internacional”.

“A recepção da versão provisória do ficheiro informático dos cidadãos maiores, sendo que a sua versão definitiva será igualmente objecto de auditoria externa independente”, assegurou o presidente da CNE.

Manuel Pereira da Silva “Manico” deu conta também do início dos trabalhos com vista à elaboração do mapeamento definitivo das assembleias de voto e dos trabalhos para a elaboração dos cadernos eleitorais.

“A criação de condições para a realização exitosa de eleições no exterior do país, facto que acontecerá pela primeira vez na história como consequência da revisão constitucional de 2021”, frisou.

O responsável (escolhido e nomeado pelo MPLA) adiantou que nos próximos dias será igualmente lançada a campanha de educação cívica e eleitoral “que tem por finalidade mobilizar os eleitores para uma participação cívica e ordeira no processo eleitoral”.

“O engajamento da CNE e dos seus órgãos locais é total para que sejam criadas as condições para que as eleições gerais de 2022 decorram num clima de fraternidade para que todos participem e que cada um manifeste livremente a sua opção”, realçou.

A nova sede da CNE, que contempla um Centro Nacional de Escrutínio, foi inaugurada hoje, em Luanda, pelo Presidente angolano, João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo e Comandante-em-Chefe das Forças Amadas.

O novo edifício, denominado Margaret Anstte, antiga enviada especial das Nações Unidas para Angola para verificar as eleições de 1992, foi construído pelo grupo israelita Mitrelli e está orçado em mais de 44 milhões de dólares.

As instalações, erguida numa área de 10.000 metros quadrados, cujas obras tiveram início em Junho de 2020, alberga ainda no segundo piso 16 gabinetes para os comissários eleitorais, um auditório, sala do plenário, sala do presidente do órgão e outros espaços.

“Podemos nos orgulhar de termos instalações condignas e à altura dos nossos desafios, destaco ainda o facto de pela primeira vez passarmos a ter instalações próprias para o Centro Nacional de Escrutínio terminando assim com a utilização de instalações arrendadas, as quais eram não só inadequadas como dispendioso para o erário”, assinalou Manuel Pereira da Silva.

As instalações, prosseguiu o presidente da entidade eleitoral, “não só melhoraram as condições de trabalho da CNE, sobretudo dignificaram a instituição” que tem por missão essencial organizar, coordenar, conduzir e realizar todos os processos eleitorais conduzidos em Angola.

QUEM TEM UMA INDRA E UMA CNE… JÁ GANHOU

No dia 2 de Fevereiro, a UNITA questionou a escolha da empresa INDRA, velha e querida conhecida (amiga) do MPLA, já condenada em Espanha por comissões ilegais, para organizar a logística das eleições gerais agendadas para Agosto.

“Porquê contratar uma empresa conotada com organização de fraudes eleitorais em África e na América Latina? Porquê contratar uma empresa amiga das ditaduras do mundo”, questionou, em conferência de imprensa o presidente do grupo parlamentar da UNITA, Liberty Chiaka, destacando que a INDRA é “rejeitada no país de origem”.

Liberty Chiaka questionou ainda qual o procedimento adoptado (concurso público ou ajuste directo) para a escolha da empresa e se houve outros concorrentes.

A consultora espanhola tem sido apontada pelos partidos da oposição, e não só, como estando ligada à fraude e favorecimentos eleitorais e segundo o jornal El Confidencial foi multada pela Agência Tributária de Espanha, no âmbito de uma investigação pelo pagamento de comissões ilegais de 2,4 milhões de euros, durante as presidenciais angolanas de 2012.

A empresa reconheceu “deficiências de gestão” em relação a Angola, mas negou o pagamento de comissões ilegais, admitindo que foi investigada pela Agência Tributária em 2015.

Liberty Chiaka criticou também o facto de as iniciativas da UNITA, incluindo debates sobre a transparência na contratação pública e o combate à corrupção terem sido bloqueadas pela maioria parlamentar do MPLA, enquanto o presidente do partido do poder, e chefe do executivo angolano, João Lourenço, juntava “a sua máquina eleitoral” em Menongue (capital da província do Cuando Cubango) para acusar a oposição de querer atingir o poder a qualquer preço.

“Felizmente o povo angolano sabe que se trata de uma acusação sem qualquer fundamento. Não pode haver em Angola quem queira tomar o poder do povo, por que o povo já tomou o poder quando conquistou a independência e a democracia, já existe um calendário político eleitoral para o povo exercer o seu poder”, sublinhou o dirigente da UNITA, apelando aos “representantes do povo cujo mandato está a terminar que deixem de desrespeitar a Constituição da República e a lei”.

A UNITA também queria ouvir quer o presidente da CNE, Manuel Pereira da Silva “Manico”, mostrando-se “extremamente preocupada” com informações que apontam para a contratação da INDRA para organizar a logística para as eleições gerais de Agosto de 2022

Uma velha, sólida e lucrativa amizade

Há dez anos (2012), a INDRA recusou-se a comentar as declarações da UNITA sobre a sua contratação para o processo eleitoral em Angola, afirmando que a sua participação no acto eleitoral é puramente “técnica e tecnológica”.

A INDRA tem toda a razão. Desde logo porque sabe que dólares é algo que o regime do MPLA tem de sobra, pouco importando o resto. E, como sempre, o cliente tem sempre razão. Então quando “fabrica” dólares em doses industriais… nada mais conta.

A INDRA diz que tem no seu currículo dezenas de processos eleitorais que já conduziu em vários países, incluindo Portugal e Espanha. Não sabemos se isso, no que tange ao reino lusófono do sul da Europa, abona. Sabemos, contudo, que meter no mesmo cesto as eleições portuguesas e as angolanas é o mesmo que meter um elefante no buraco de uma agulha.

“Não entramos em temas políticos. Em Angola estamos a fazer apenas desenvolvimento técnico e tecnológico”, afirmou na altura uma fonte da INDRA, em resposta às acusações da UNITA de falta de transparência da CNE na preparação das eleições gerais de 2012, que incluiu (claro) a escolha da INDRA.

A IDRA, apesar de saber que Angola (ainda) não é um Estado de Direito Democrático, explicava que “ganhou o concurso público convocado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) de Angola para realizar o escrutínio provisório e fornecer o material eleitoral das eleições gerais”.

“A INDRA foi seleccionada por contar com a proposta mais alinhada com as necessidades do organismo eleitoral”, referiu a empresa, recordando “a experiência do projecto realizado nas eleições legislativas de 2008”.

Pois é. E é aqui que a hiena deixa de chorar e passa a cantar o hino do MPLA.

Para as eleições de 2008, entre o material desenhado, produzido, transportado, armazenado e distribuído pela INDRA em todo o território angolano encontravam-se, disse a empresa: “13.000 Kits eleitorais, 26 milhões de cédulas, 65.000 urnas de votação, 54.000 cabines de votação, incluindo cabines para portadores de necessidades especiais, 108.000 latas de tinta indelével e 8.500 PDAs para o controlo e informação ao eleitor”.

“O projecto – para o qual cerca de 8 milhões de eleitores haviam sido chamados a votar, contando com mais de 12.200 colégios de votação – implicou o desenvolvimento de sistemas de transmissão de dados, o processamento, a totalização e a difusão de resultados, ao mesmo tempo em que presumiu o emprego de infra-estruturas de Tecnologias de Informação, o desenvolvimento de software, a formação do pessoal local e o transporte do material eleitoral directamente da Espanha para Angola, para o qual foram fretados mais de 10 aviões Boeing 747”, afirmou também a INDRA.

Ora, por falha (obviamente involuntária) nos equipamentos de controlo das autoridades angolanas, quase todos comprados em contrabando, o governo de Eduardo dos Santos referiu que apenas tinham sido comprados 10 milhões e 350 mil boletins de votos.

Tratou-se pois de um ligeiro e involuntário engano do regime. Isto porque, fazendo fé na mega manifestação de apoio a José Eduardo dos Santos então realizada, Angola tinha bem mais (mas muito mais) do que vinte milhões de habitantes.

Ora se, de facto, todos esses milhões votavam no MPLA e ainda haveria alguns votos residuais nos outros partidos, obviamente que a encomenda foi de 26 milhões de votos. Não há, portanto, razões para pôr em dúvida a honorabilidade da CNE e do regime, sendo que as duas organizações (uma só, na prática) são constituídas por cidadãos impolutos.

Ao longo dos últimos trinta e tal anos, a INDRA apoiou mais de 350 processos eleitorais com mais 3.000 milhões de eleitores em 21 países, adaptando a sua tecnologia às necessidades concretas e legislações diferentes de cada uma dessas nações.

Mas ninguém, nem mesmo a UNITA, duvidava na altura ou duvida hoje, que a INDRA responde com toda a eficiência tecnológica às necessidades de cada regime. Isso só prova, aliás, que o MPLA tem toda a razão em continuar a escolher a INDRA. E a INDRA não está, nunca esteve nem estará, preocupada se as eleições são livres ou, até, se um regime que tem como presidente alguém nunca nominalmente eleito tem alguma espécie de legitimidade democrática e legal.

A escolha da INDRA suscitou em 2012 fortes críticas da UNITA, que recordou o facto de em 2008 ter sido esta mesma empresa que forneceu os equipamentos e a gerir o processamento do escrutínio, vencido de forma confortável pelo MPLA, partido no poder desde a independência, em 1975, com 81,64 por cento dos votos.

A UNITA acusou também a CNE de ter assinado um contrato de prestação de serviços com a INDRA no valor de 130 milhões de dólares, quando, a preços de mercado, bastavam 25 milhões de dólares para os equipamentos e assegurar a transmissão dos dados da votação a partir dos 164 municípios.

É certo que a CNE, sucursal eleitoral do MPLA, garante que todos os processos eleitorais foram preparados “com lisura, transparência, com vista à consolidação da ainda jovem democracia”, por isso manifesta a sua “preocupação face às notícias veiculadas”, que “põem em causa a legalidade das deliberações tomadas pelo plenário”.

A transparência é tanta, tal como em 2008, tal como em 2012, tal como em 2017, que até os mortos vão votar (desde que o façam no MPLA), é tanta que também vão repetir-se os casos em que em alguns círculos eleitorais vão aparecer mais votos do que eleitores inscritos.

Folha 8 com Lusa

Artigos Relacionados

One Thought to “PRIMEIRO A SENTENÇA, DEPOIS O JULGAMENTO”

Leave a Comment